Carta n. 10

Existe algo que eu sonho de graça, incondicionalmente, mas sei que é algo que nunca vou poder realizar.
A medicina tem avançado muito em questões técnicas de diagnosticos, tratamentos e remédios. Mas infelizmente não existe cura pra todo tipo de doença ou problema. E quando falamos de distúrbios neurais, transtornos, síndromes, a lista de "não há cura, mas há tratamento" aumenta em metros, quilômetros. As pessoas que me conhecem sabem que eu tenho transtorno de personalidade borderline e que nem sempre eu tive esse controle e estabilização que tenho hoje. Os dias já foram mais obscuros, eu já fui mais submissa, o medo do abandono já foi maior, a busca por aprovação também. Isso tudo colaborou pra que eu me anulasse a maior parte do tempo, em prol de ter alguém comigo a todo instante, independente de essa pessoa gostar de mim ou não.
Como tudo tem seu lado ruim também tem seu lado bom, ser border também me trouxe vantagens: o lado criativo, a intensidade de sentir sentimentos bons, a sinceridade e transparência incondicional com qualquer pessoa (eu nunca soube mentir e isso já foi problema), dentre outras qualidades que as pessoas nem pensam que é por conta do transtorno. Mesmo com todas as coisas boas, aprendizados e vivências, o que eu mais queria era ouvir da medicina que o transtorno de borderline tem cura.
Você que me lê agora, não imagina quantas pessoas sofrem com isso, todos os dias. Não contei acima, mas existe a insatisfação com a vida, o vazio, o sentimento de ter um buraco no seu peito e não conseguir descrever em palavras a dimensão, a profundidade que ele tem. E isso vai fazendo com que a gente perca a vontade de viver, ter paixão por criar memórias, praticar esportes, tentar um novo hobby e até mesmo conhecer pessoas novas, seja pra amizades ou pra investir em relacionamento amoroso. A intensidade nos leva ao subsolo e a gente acaba achando que não tem mais volta, que não tem mais paciência e força pra subir tudo de novo.
A vida da gente é uma montanha-russa de emoções. Já comparados com bipolares, psicopatas, sociopatas e aclamados pela mídia por ter nossas crises expostas em rede nacional, os borders pelo mundo com certeza tem esse sonho utópico que eu tenho: a cura. Coisa que talvez nunca exista, mas que pode de alguma forma ficar registrado. Por tantas vezes que eu não pude ser eu e fui o meu transtorno, eu sinto muito por ser vista como um problema, inclusive por eu mesma achar isso de mim.

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